terça-feira, 5 de abril de 2016

bravura

um bode
atravessou o pátio grande da casa
mijou no tapete e mastigou parte das flores que pendiam da varanda
a parte amarela

depois bateu seus chifres até que a cerca se abrisse
para enfim ganhar a rua
a praça, o mercado
e por onde passou golpeou e ofendeu de lama o que havia de direito
lambeu a ferida do morador da ponte
com a mesma língua com que atacou a fruta da menina
lambeu a fruta dela

um bode brabo
berrou com o bispo e bulinou com a bandeira nacional
muitas pessoas enxotaram o bode
correram dele
atiraram em sua direção
pedras, cebolas e o que houvesse ao alcance

pobre do bicho tinha fome
e um sino pendia de seu pescoço
tornando ainda mais tenso o seu caminhar

a quem pertencia?
de onde teria vindo?
quem podemos culpar hoje?
bode não fala e já ninguém ouve mesmo

durante aquela luta instintiva
uma lágrima manchava seu olhar fissurado
o olho estralado
que depois sobrou quando sua cabeça foi enfeitar a porta da prefeitura

venceu o projeto civilizatório e já nem é preciso faca
a probidade pela proibição

e nos cantos sórdidos dos bairros porcos
os condenados encarnam o bode
quando a noite as tochas se acendem para a caçada cortês

e são noites de baile
os seletos dançam o som harmonioso da lira
bem afeiçoados ao cheiro da lima
que só enjoa às crianças
que aos olhos deles são criaturas inacabadas

os olhos de deus?
só vêem o bem
e enxergam bem muito

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